Criada em 13/06/2023 às 07h05 | Suinocultura

Do Suíno light à carne cultivada em laboratório

Na Embrapa Suínos e Aves, que completa 48 anos nesta terça-feira, existe um legado construído para duas das mais importantes atividades pecuárias do país. Lá surgiram conhecimentos que mudaram a trajetória da suinocultura e da avicultura brasileiras

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Embrapa Suínos e Aves, que completa 48 anos nesta terça-feira, construiu um legado construído para duas das mais importantes atividades pecuárias do país. (Foto: Jairo Backes)

A partir da década de 1920, colonos descendentes de italianos e alemães vindos do Rio Grande do Sul chegaram ao oeste de Santa Catarina. Uma das tradições desses colonos era a produção de pequenos animais para subsistência das famílias. Já nos anos 1940, a criação de galinhas e de suínos fomentou o nascimento de pequenas agroindústrias que fariam do oeste de Santa Catarina a região onde surgiria a moderna avicultura e suinocultura no país. Por conta desse cenário e da importância dessas duas cadeias, lideranças ligadas ao setor agrícola de Santa Catarina candidataram o estado a sediar o centro voltado para o desenvolvimento de tecnologias para a suinocultura da Embrapa. O principal argumento era que os catarinenses lideravam ações privadas de pesquisa em melhoramento genético e nutrição, com destaque para o município de Concórdia.

O então pequeno município, com cerca de 18 mil moradores, concentrava granjas especializadas na comercialização de reprodutores suínos. O trabalho de melhoramento genético dessas granjas já era reconhecido em todo o país. O município ainda tinha uma estação de avaliação de suínos e uma central de inseminação artificial. Além disso, em Concórdia estava instalada uma das principais agroindústrias brasileiras voltada para a industrialização da carne suína. Assim mesmo, o município concorria com a cidade de Estrela, no Rio Grande do Sul, outra importante região da suinocultura brasileira.

A análise dos critérios técnicos acabou por escolher Concórdia, fazendo os catarinenses vencerem a disputa com os gaúchos, que naquela época já tinham duas unidades da Embrapa: a Trigo, em Passo Fundo, e a Clima Temperado, em Pelotas.

No dia 13 de junho de 1975, em Brasília, era criado oficialmente o Centro Nacional de Pesquisa de Suínos. Poucas semanas depois, dois pesquisadores chegavam à cidade para dar início à implantação da nova unidade da Embrapa.

O ato de criação do Centro de Pesquisa foi assinado pelo ministro da Agricultura Alysson Paulinelli. Em depoimento para um livro histórico, em 2011, Paulinelli declarou que a escolha foi natural e acertada. “Recebi, em 1974, a Embrapa como uma semente, um embrião, muito bem concebida pelo ministro Luiz Fernando Cirne Lima e embalada pelo ministro José Moura Cavalcanti. Tínhamos de cultivá-la e fazê-la produzir. A expectativa era muito grande e não poderia frustrar ninguém. A necessidade de um Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária que viesse a ajudar o produtor brasileiro a resolver seus problemas tecnológicos, em um país tropical, com tantas dificuldades e deficiências, era o que mais se esperava naquele momento. Por outro lado, a Embrapa teria de dar respostas rápidas a essa demanda. A definição dos centros nacionais teria de vir naturalmente, pelos produtos e regiões de maior importância e repercussão econômica e social para o país. Com essas premissas, não poderíamos deixar de incluir a suinocultura e avicultura nessa estratégica relação. E o estudo de Santa Catarina, especialmente Concórdia, teria de ser o leito natural para abrigar o nosso Centro Nacional. Hoje, estou certo, não erramos”, depoimento de Alysson Paulinelli para a obra “Sonho, desafio e tecnologia – 35 anos de contribuições da Embrapa Suínos e Aves”.

Mas antes mesmo da sua estruturação completa, o Centro Nacional de Pesquisa de Suínos ganhou um desafio extra. Em 1978, a Embrapa decidiu que chegara a hora de investir na investigação científica da cadeia avícola, que se expandia rapidamente no país. A diretoria-executiva da Embrapa tinha duas possibilidades: a criação de uma nova unidade ou a integração com o centro de suínos, já que as duas cadeias produtivas tinham muitas similaridades. A integração acabou prevalecendo, até porque a região de Concórdia também era um importante polo produtor avícola. Assim, em 20 de outubro de 1978, surgia o Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves.

As primeiras pesquisas

Em uma época em que a suinocultura e a avicultura eram radicalmente diferentes, da tecnologia ao manejo dos animais, o então Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves tinha enormes desafios. Além disso, o sistema integrado de produção não havia completado ainda nem 20 anos de existência no Brasil.
Logo recaíram sobre a Embrapa as esperanças de que fossem rapidamente apresentadas soluções para doenças como a rinite atrófica em suínos, para que se adaptassem equipamentos às condições brasileiras, melhorassem geneticamente o rebanho nacional e se aprimorassem rações ou se indicassem alimentos alternativos para os animais.

Os primeiros resultados das pesquisas apareceriam nos anos seguintes, como a vacina contra a rinite atrófica, a tabela de composição química e valores energéticos de alimentos para suínos e aves, a recomendação do uso de alimentos alternativos, a geração de plantéis de aves e suínos livres de patógenos específicos, o aprimoramento das técnicas de inseminação artificial em suínos, o início das análises econômicas dos sistemas de produção de aves e suínos nas principais regiões produtoras do Brasil e o desenvolvimento de equipamentos e edificações para avicultura e suinocultura.

Entre 1978 e 1992, o centro de pesquisa em Concórdia também coordenou o Programa Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves. Isso permitiu à Embrapa Suínos e Aves produzir a primeira caracterização dos sistemas de criação usados pelos produtores e identificar as principais demandas técnicas e econômicas das duas atividades.

Suíno light

Das centenas de tecnologias desenvolvidas pela Embrapa Suínos e Aves desde 1975 nas áreas de produção ou sanidade animal e em meio ambiente, duas são as mais conhecidas pelo público em geral: o suíno light MS58 e a poedeira colonial Embrapa 051.

Lançado na Expointer em Esteio-RS em 1996, o suíno light marcou a transição do “porco tipo banha” para um suíno com alta concentração de carne na carcaça. A linha tem o cruzamento das raças Pietrain, Duroc e Hampshire e foi registrada no Livro de Suínos Puros Sintéticos da Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS).

Este macho terminador foi desenvolvido com apoio da Cooperativa Central Aurora para atender a demanda de material genético da indústria e melhor remunerar o produtor por entregar animais com mais carne magra. No início dos anos 2000, o suíno light da Embrapa Suínos e Aves chegou a responder por 8% do abate nacional de suínos. “A nossa atuação também foi importante para popularizar a tecnologia do suíno light entre os suinocultores independentes de todo o país, que encontraram na Embrapa um material genético de boa qualidade e com preço acessível”, explica o pesquisador Elsio Figueiredo, da equipe de melhoramento genético da Unidade.

O MS58 foi melhorado duas vezes. A primeira no ano 2000, com a linhagem MS60 (cruzamento das raças Duroc, Large White e Pietrain), com animais livres do gene halotano, que predispõe à Síndrome do Estresse em Suínos e à produção de carne PSE (pálida, macia e exsudativa), um problema grave para a industrialização de carnes.

A segunda vez foi em 2008. Sempre trabalhado em parceria com a Cooperativa Aurora, a Embrapa lançava a linhagem MS115 durante a Expodireto Cotrijal em Não-Me-Toque-RS. Esta terceira geração de suínos light foi concebida para uma nova realidade do mercado de carne suína: a dos animais mais pesados ao abate (acima de 115 kg de peso vivo). A linhagem MS115 continuou com a mesma formação de raças do MS60, mantendo alto potencial genético para carne na carcaça (acima de 62%), reduzida espessura de toucinho e ótima conformação, com excelente concentração de carne no lombo, pernil e paleta, repassando aos descendentes percentual de carne na carcaça superior a 58% e ampliando o ganho genético para conversão alimentar em animais mais pesados. Ainda em genética suína, em 2014, durante a Expointer, em Esteio, a Embrapa lançou a fêmea MO25C, como uma linha mais rústica para produção de leitões.

Poedeira colonial

Como resultado dos projetos de pesquisa em melhoramento genético de aves conduzidos desde 1982, a Embrapa Suínos e Aves desenvolveu cinco pacotes genéticos destinados ao mercado brasileiro: Embrapa 011 (poedeira de ovos brancos), Embrapa 021 e 022 (frango de corte), Embrapa 031 (poedeira de ovos castanhos), Embrapa 041 (frango de corte colonial) e Embrapa 051 (poedeira colonial de ovos castanhos).
Delas, a mais popular é a Embrapa 051. Até então, os pequenos produtores rurais de base familiar utilizavam tradicionalmente nas suas criações galinhas de postura de baixo potencial genético e tecnológico, o que levava a uma menor produtividade e maiores custos de produção. “Essa genética possibilitou que os produtores tivessem a possibilidade de substituir uma ave de baixa tecnologia por uma genética mais avançada, que proporciona aumento de produtividade na postura e a agregação de valor pela venda da carcaça para consumo”, enfatiza o pesquisador.

A poedeira colonial é uma galinha híbrida, resultante do cruzamento entre linhas Rhode Island Red e Plymouth Rock Branca, especializada para produção de ovos de mesa com casca marrom. E por serem rústicas se adaptam bem aos sistemas menos intensivos.

Desafios e entregas alinhadas

Desde sua criação, os desafios mudaram e exigem cada vez mais soluções que contemplem uma produção sustentável, tanto economicamente quanto ambiental. Entregas de impacto têm sido desenvolvidas pela equipe de pesquisa, como a instalação de um posto de biometano gerado a partir dos dejetos suínos, o Biogasfort. Tem ainda soluções que potencializam a recuperação e reuso de água nas granjas, caso do Sistrates.

“A Embrapa Suínos e Aves tem papel fundamental em apoio às políticas públicas, com trabalhos de impacto na agroindústria, na exportação e produção das cadeias produtivas”, enfatiza o chefe geral Everton Krabbe. Um desses trabalhos é de revisão e modernização de inspeção sanitária em abatedouro, tanto de suínos como de aves. Na questão ambiental, trabalhos de pesquisa impactaram instruções normativas, como a IN11 SC.

As equipes da Embrapa Suínos e Aves atuam diretamente com o setor de produção, atentas à genética, nutrição, sanidade, equipamentos e as agroindústrias. Entre os atuais desafios, os esforços de pesquisa se concentram em inovações como carne cultivada em laboratório, xenotransplante e biobanco, por exemplo.
“O propósito da Embrapa Suínos e Aves é trabalhar com o máximo da capacidade para atuar na vanguarda e antecipar tendências para que as cadeias produtivas desenvolvam todo seu potencial e alimentem a população brasileira e mundial com qualidade e segurança”, afirma o pesquisador Everton Krabbe.

As cadeias produtivas de carne de frango e de suínos continuam tendo grande importância no agronegócio brasileiro. O uso intensivo de tecnologias e o excelente status sanitário posicionaram o Brasil como um dos principais fornecedores mundiais de carne de aves. O país é o terceiro maior produtor mundial (14,3 milhões de toneladas em 2021) e o maior exportador (4,6 milhões de toneladas). Em carne suína, o Brasil ocupa o quarto lugar tanto na produção (4,7 milhões de toneladas), quanto na exportação (1,1 milhão de toneladas).

A concorrência acirrada e as constantes exigências do mercado internacional exigem um esforço contínuo em pesquisa, desenvolvimento e inovação para manter a competitividade. (Da Embrapa)

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