Criada em 28/09/2022 às 10h44 | Pesquisa

Do campo ao balcão: cerveja estilo weiss utiliza caju como matéria-prima

Embora sejam de trigo, as cervejas Weiss têm um sabor que se sobressai a esse ingrediente, como canela e o caju. A cajucultura, por exemplo, vem ganhando destaque em espaços até então pouco explorados, como opção no cardápio de bebidas alcoólicas para bares e restaurantes.

Imagem
Embora sejam de trigo, as cervejas Weiss têm um sabor que se sobressai a esse ingrediente, como canela e o caju. (Foto: Ricardo Moura)

A utilização de insumos regionais na produção de alimentos e bebidas é uma rota para a valorização gastronômica, cultural e econômica de diversas cadeias produtivas. A cajucultura, por exemplo, vem ganhando destaque em espaços até então pouco explorados, como opção no cardápio de bebidas alcoólicas para bares e restaurantes. O exemplo mais recente vem da Cervejaria Turatti, com sede em Fortaleza (CE), que lançou a Cajunela, uma cerveja estilo weiss que se vale do pedúnculo do caju como matéria-prima.

Alfredo Aghina, mestre cervejeiro da Turatti, está à frente do desenvolvimento de uma Weissbier de caju. Trata-se de um processo de fabricação de cervejas surgido na Alemanha, em que são utilizados malte de trigo, malte de cevada, lúpulo e levedura. Embora sejam de trigo, as cervejas Weiss têm um sabor que se sobressai a esse ingrediente, pois podem ser adicionadas de sabores de maçã, banana, cravos e florais. Além disso, uma característica marcante do produto é o tom claro e opaco, obtido por filtragem.

Alfredo relembra que a ideia de produzir a Weiss de caju surgiu de uma degustação de um coquetel de cachaça e especiarias realizada em um restaurante, em Fortaleza: “Um dia provei um drinque que levava xarope de especiarias, como canela, cravo, e cachaça aqui do Ceará. Eu falei que esse xarope de especiarias cairia muito bem numa Weissbier. Então nós focamos numa fermentação para deixá-la com sabor de cravo e adicionamos canela e uma quantidade absurda de polpa de caju, para ficar como sabor principal, como protagonista”.

O cervejeiro enfatiza outro ponto que o levou a formular a Weiss de caju: a boa qualidade do caju cearense. “Eu já tinha vontade de usar caju numa cerveja há muito tempo, desde que cheguei em Fortaleza. Porque o caju daqui é completamente diferente do que chega no Rio de Janeiro. O caju do Rio não é nada parecido em comparação com o daqui, que é excelente, uma fruta completamente diferente. Foi exatamente essa junção de ter um caju mais fresco, mais gostoso, um fornecedor de polpa excelente e ter tomado esse drinque que me fizeram ter a ideia dessa cerveja”, comenta o mestre-cervejeiro.

O papel da Embrapa na qualidade da matéria-prima

É nesse ponto da história que os clones da Embrapa Agroindústria Tropical fazem sua aparição. Disponibilizar insumos de qualidade é um fator importante na agregação de valor ao cultivo do caju. Pensando nisso, a Unidade trabalha no desenvolvimento de clones de cajueiro que oferecem ao mercado consumidor frutos mais resistentes às pragas e doenças, além de características sensoriais e visuais como tamanho, acidez, doçura e suculência do pedúnculo. O CCP 76, principal referência de clone quando o assunto é caju de mesa, é resultado direto dessa demanda do mercado por produtos de alta qualidade.

Segundo Francisco Moura, CEO da empresa Polpa Coração de Mãe, parte da matéria-prima utilizada em sua produção é advinda de produtores locais do município de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O empresário conta que a localidade é muito suscetível ao aparecimento de fungos e destaca as ações da Embrapa no fornecimento de mudas de cajueiro-anão mais resistentes a essas doenças: “Alguns dos produtores locais ainda têm cajueiros antigos, mas já partiram para a produção de cajueiro-anão. A nossa região dá muito fungo. Esses cajueiros mais novos são, também, mais resistentes, até pelo trabalho que a Embrapa faz de melhorar geneticamente as variedades, deixando-as mais resistentes às pragas e doenças”.

Francisco Moura explica que em sua plantação de 15 hectares, aproximadamente 95% é composta pelo clone CCP 76, desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical. O clone é uma das variedades mais cultivadas nas regiões produtoras do Nordeste. Também é o mais utilizado na fabricação de doces e cajuínas, oferecendo polpa de qualidade para o processamento de sucos.

De acordo com Genésio Vasconcelos, chefe de TT da Embrapa Agroindústria Tropical, o papel da Embrapa Agroindústria Tropical, nesse aspecto, é atuar sempre com o olhar para geração de resultados e benefícios em toda a cadeia da cajucultura, desde as tecnologias de produção de campo até as tecnologias de processamento. “A tecnologia de cajueiro-anão é um grande exemplo disso. Para o produtor rural, o cajueiro-anão permite a realização de tratos culturais mais eficientes, com redução do uso de insumos e do custo total de produção, aumento da produtividade, além de safra mais duradoura, quando comparada com o cajueiro comum”, comenta.

Porém, acrescenta Vasconcelos, os benefícios vão além e chegam até o consumidor que tem acesso a um produto mais versátil, com características de cor, aroma e sabor que potencializam o uso em diversos produtos que vão além do tradicional suco. Estas possibilidades agregam valor à matéria-prima e aos novos alimentos, numa relação de ganhos que impacta toda a cadeia produtiva, em graus diversos.

O caju e sua versatilidade

O leque de possibilidades para o uso do caju é amplo: doces, sucos de polpa congelada, cajuínas e proteínas vegetais, como o croquete e o hambúrguer com fibra de caju. Na área de produtos alcoólicos, o fruto ganha cada vez mais espaço. Maurício Flair, bartender e diretor do Instituto Caju Brasil, desenvolve desde 2009 bebidas que aproveitam o caju e seus derivados na formulação de drinques. “O mel de caju é um substituto extremamente eficiente do açúcar tradicional. Um coquetel que reproduzo muito nos meus treinamentos é a Melosca que é basicamente cachaça, suco de limão e mel de caju. Atualmente, estou desenvolvendo pesquisas para fazer vermutes a partir do vinho do caju”, explica.

Segundo Flair, o que despertou o seu interesse no caju foi a ausência de insumos regionais em produtos da coquetelaria. “Por causa de alguns projetos que desenvolvi viajando pelo Sebrae e instituições como a Associação dos Chefes de Cozinha no Ceará, eu comecei a ver que existia um vácuo na utilização de insumos locais como um todo, seja o caju, o café orgânico de Maciço de Baturité ou o reaproveitamento das algas marinhas de Icapuí e Flexeiras”, comenta.

O bartender destaca, ainda, o peso cultural dos insumos regionais, bem como as suas aplicações em bebidas criadas pelos povos indígenas locados no Ceará: “Do ponto de vista cultural, temos as tribos indígenas e grupos originários aqui no estado do Ceará que fazem, por exemplo, o Mocororó, fermentado de caju azedo muito presente em algumas comunidades”.

Aceitação do público aos alcoólicos de caju

As bebidas alcoólicas com frutos regionais têm atraído positivamente o público. É o que afirma tanto Maurício Flair quanto Alfredo Aghina. Ao falar sobre a aceitação de produtos alcoólicos com caju, o bartender frisa a importância de educar os clientes ao longo do processo de introdução dessas bebidas, uma vez que esses apresentam um paladar muito específico ao qual o sabor do caju não é considerado peculiar.

O bartender pontua, ainda, o nível de aceitação dos drinques dentro e fora do estado: “Fora do estado, a aceitação é muito maior que dentro do Ceará. Apesar de termos a cultura do caju, não existem muitos insumos no dia a dia dos bares e restaurantes. Mas, fora, em São Paulo e em outras localidades, a aceitação das bebidas e derivados de caju é enorme. Eles conseguem uma aceitação bacana porque é visto como uma coisa diferente, exótica”, explica.

Alfredo Aghina trabalha, também, com outros frutos regionais, como a seriguela. O cervejeiro conta como o público reage aos produtos: “É sempre bem legal a experiência. Em muitas rodas de conversa chegam pra mim e falam ‘quando que vai sair de novo aquela de siriguela? E aquela de Tangerina?’”. Por fim, o mestre-cervejeiro ressalta a importância de trabalhar com cervejas frescas quando essas são de frutas frescas, estabelecendo assim uma sazonalidade do processo de fabricação desses produtos. (Da Embrapa)

Comentários


Deixe um comentário

Redes Sociais
2024 Norte Agropecuário