Criada em 31/03/2020 às 12h56 | Agronegócio

Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta oferecem diferentes vantagens aos produtores rurais brasileiros

Pecuária leiteira é um dos setores avaliados. Pesquisa avaliou produtividade, reprodução e conforto térmico de vacas Gir e Girolando meio-sangue no CTZL. Os animais foram colocados em pastejo a pleno sol e à sombra no sistema ILPF, cujas árvores ocupavam 8% da área usada (8 ha).

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Carlos Frederico Martins destacou a maior produção de embriões por vacas na sombra das árvores em sistema ILPF (Foto: Breno Lobato/Embrapa/Divulgação)



Breno Lobato
DE BRASÍLIA (DF)

Com área ocupada de cerca de 15 milhões de hectares no Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário 2017 do IBGE, os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) favorecem diversas estratégias produtivas, entre elas a pecuária leiteira – com maior produção de leite e embriões – e a produção de madeira. Esses dois temas, além de estratégias de recomposição vegetal de áreas degradadas, foram apresentados no III Dia de Campo sobre Sistemas de ILPF na Pecuária Leiteira, realizado no Centro de Tecnologias para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados (DF) no dia 13 de março. O evento contou com a participação de 108 produtores rurais e técnicos.
“Os benefícios da ILPF já são bastante conhecidos por todos. Queremos hoje mostrar a evolução, sobretudo, na aquisição de novos dados que ajudem na tomada de decisão e na difusão dessa tecnologia, que é genuinamente nacional. É um grande orgulho falarmos isso”, disse o chefe geral da Embrapa Cerrados, Claudio Karia, na abertura do Dia de Campo.

O coordenador-geral de Mudanças Climáticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Elvison Ramos, salientou a importância da ILPF para o setor produtivo e a inserção da tecnologia no Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), que terá continuidade no período 2020-2030. “Os projetos de ILPF de duas fazendas vizinhas são diferentes. Este evento é importante por mostrar detalhes de como tem que ser feito esse processo, e são os detalhes que fazem a diferença”, disse.

Também estiveram presentes Luiz Carlos Ferreira, representando o secretário de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do DF, Luciano Mendes, e Marcelo Toledo, superintendente técnico da Associação dos Criadores de Zebu do Planalto (ACZP), que destacaram as parcerias dessas instituições com a Embrapa.

MAIS LEITE, MAIS EMBRIÕES

Os pesquisadores Isabel Ferreira e Carlos Frederico Martins, da Embrapa Cerrados, apresentaram os resultados de uma pesquisa que avaliou indicadores de produtividade, reprodução e conforto térmico de vacas Gir Leiteiro e Girolando meio-sangue no CTZL. Os animais foram colocados em pastejo a pleno sol e à sombra no sistema ILPF, cujas árvores ocupavam 8% da área usada (8 ha).

Foram medidos, entre 2017 e 2019, a qualidade e a quantidade de ovócitos e embriões; produção e composição do leite; produção e valor nutritivo da forragem; comportamento animal; temperatura animal, taxas de hormônios da tireoide; crescimento e produção de madeira; microclima e índices ambientais.

Para análise dos índices reprodutivos, foram realizadas 24 aspirações foliculares, sendo avaliados indicadores relacionados ao processo de fecundação in vitro. Enquanto no período chuvoso não houve diferença entre os tratamentos (sol e sombra) para as vacas Gir Leiteiro quanto a folículos totais, ovócitos totais e ovócitos viáveis, no período seco os índices foram respectivamente 1,2, 1,8 e 1,8 vezes maiores à sombra. “Mesmo sendo uma raça teoricamente adaptada, o Gir Leiteiro se beneficiou da sombra”, explicou Martins. Em relação às taxas reprodutivas, também não houve diferença no período chuvoso.

No caso das vacas Girolando, a situação observada foi diferente. Tanto no período chuvoso como no seco, os animais a pleno sol produziram mais folículos totais, ovócitos totais e ovócitos viáveis. Quanto às taxas reprodutivas gerais (taxa de recuperação, viabilidade de ovócitos, taxa de clivagem e taxa de blastocistos) desses animais, não houve diferença estatística entre os tratamentos, apesar da tendência de índices maiores nos animais à sombra.

A produção de embriões pelas vacas Gir Leiteiro não variou significativamente no período chuvoso, mas na seca as vacas à sombra produziram quatro vezes mais. Nas vacas Girolando, o mesmo ocorreu no período de chuva, porém os animais ao sol produziram mais embriões. Nesses animais, os ovócitos de pior qualidade (grau IV, impróprio para fecundação) foram mais encontrados no tratamento a pleno sol, representando 48% a mais na seca e 34% a mais nas águas.

Segundo Martins, os resultados estão de acordo com o observado em outros experimentos e na literatura científica quanto à tolerância ao calor. “O Gir é a raça que pior se comportou em relação a isso, enquanto o Girolando se portou melhor quanto a mecanismos de dissipação de calor. Ou seja, a sombra foi mais benéfica para o Gir, o que surpreende por ser uma raça indiana, mas também é importante para o Girolando”, disse.

Medida durante três anos, a produção de leite individual nas vacas Girolando foi semelhante no pleno sol e à sombra (cerca de 14,5 kg/leite/dia), enquanto nos animais Gir Leiteiro foi 22% maior no tratamento com sombra (cerca de 11 kg/leite/dia). Os animais foram suplementados à proporção de 1 kg de concentrado para cada 3 L de leite. A produção de leite por ha/ano foi de cerca de 9 mil kg/leite/ha/ano em cada sistema e sem diferença entre os tratamentos em 2017; 12,5 mil (sol) e 13 mil kg/leite/ha/ano (sombra) em 2018, com 11% a mais de produção na área com sombra (descontando-se os 8% da área ocupado pelas árvores); e cerca de 12,5 mil kg/leite em cada sistema, com 8% a mais de produção à sombra, em 2019.

Quanto à composição e qualidade do leite, as vacas Gir à sombra da ILPF obtiveram quantidade 6% maior de sólidos desengordurados e 12% a mais de lactose (indicando maior rendimento para a produção de queijo e derivados). Devido a um problema de acúmulo de lama no corredor, comum em propriedades leiteiras, a contagem de células somáticas no período chuvoso ficou 11% maior.

A produção de massa de forragem no período avaliado foi 22% menor na área com sombra devido à competição com as árvores por nutrientes e à menor radiação solar. “Resolvemos esse problema com o desbaste de metade das árvores para maior incidência de luz e equilíbrio na produção de forragem. Quando medimos a massa de forragem no terceiro ano, ela foi equivalente nos dois ambientes. Então, não houve prejuízo na produção de forragem”, explicou Isabel Ferreira, acrescentando que no sistema utilizado as árvores se distanciam em 3 metros na linha e em 25 metros nos entrerrenques, sendo a densidade equilibrada em 130 árvores/ha, após o desbaste.

O teor de proteína bruta do capim na sombra foi 30% superior, devido à maior ciclagem de nutrientes como o nitrogênio. Além disso, o teor de fibras foi menor, promovendo uma digestibilidade in vitro da matéria seca 6% maior. “Isso favorece o maior aproveitamento desses nutrientes pelo animal”, disse a pesquisadora.

A taxa de lotação ao longo dos três anos foi 11% menor no sistema ILPF (16 a 20 vacas/ha) em relação ao pleno sol (20 a 24 vacas/ha e até 32 vacas/ha na chuva). Não houve diferença significativa no consumo de matéria seca total em função do percentual de peso vivo, mas houve leve tendência de maior consumo pelas vacas à sombra.

Quanto ao comportamento animal, o tempo de ingestão de pasto foi igual nos dois tratamentos, enquanto na sombra o tempo de ruminação foi 32% maior, o que indica melhor aproveitamento dos nutrientes do alimento. Os animais à sombra ficaram 16% menos tempo em ócio, o que é compensado com a maior ruminação.

A temperatura da superfície corporal, medida em diferentes partes dos animais, ficou em média 1,1ºC mais baixa nas vacas à sombra. O escore de ofegação, que traduz os movimentos respiratórios e permite aferir se o animal está em estresse de calor, foi igual em ambos tratamentos. Os hormônios tireoidianos T3 e T4 foram maiores sob a sombra, respectivamente 12% e 9%, indicando maior estresse pelo calor nas vacas a pleno sol.
Localizada ao longo do entrerrenque do sistema, a estação meteorológica mediu uma radiação solar em média 35% menor na área da ILPF. “Essa diferença explica a menor produção de forragem e o maior conforto térmico dos animais”, observou Isabel. A partir dos indicadores ambientais, é calculado o Índice de Temperatura de Globo Úmido (ITGU), que indica se os animais estão em estresse de calor ou não. No primeiro ano da avaliação, a sombra reduziu em até 6% o ITGU no período da manhã e em até 7% no período da tarde, na comparação com o pleno sol, trazendo o índice para valores inferiores a 80, a partir do qual já se considera que há estresse de calor em condições tropicais.

Segundo Isabel, até o final do ano será concluída a avaliação de retorno econômico a longo prazo, considerando o corte da madeira daqui a sete anos.

RENDA COM EXPLORAÇÃO DE MADEIRA

Pesquisador da Embrapa Florestas (Colombo, PR), Abílio Pacheco falou sobre a experiência pessoal com manejo silvicultural e produção madeireira em sistema de integração na própria fazenda, em Itumbiara (GO), mostrando como a atividade pode ser rentável. A mesma área de 250 ha com pastagem degradada que 10 anos atrás produzia 4@/ha/ano de boi, atualmente resulta em 18@/ha/ano de boi (com a arroba a um custo de R$ 93) e 45 m3/ha/ano de madeira.

No primeiro ano de adoção do sistema, foi semeada a soja de ciclo curto (100 dias) em toda a área de pasto degradado; o milheto foi o plantio de segunda safra e do eucalipto. No segundo ano, a soja foi novamente plantada, sendo sucedida pelo capim braquiária. “18 meses após a implantação do sistema, já posso entrar com os animais na área”, explicou, acrescentando que o plantio da soja contribuiu para a reversão de um fluxo de caixa negativo de R$ 79/ha para positivo de R$ 312/ha, e que o milheto consorciado com as árvores ajudou a controlar o grilo que se alimentava das mudas de eucalipto.

Segundo o pesquisador, as árvores atualmente estão trazendo mais retorno econômico que os animais no sistema da fazenda. “Quando introduzi o componente arbóreo, foi pensando em alavancar a atividade pecuária. Todos os dias, as árvores fazem fotossíntese e produzem madeira. Estamos produzindo 45 m^3/ha/ano sem gastar um litro de óleo diesel ou agrotóxico, sem uma hora/máquina. Você põe a natureza para trabalhar para você, sem contar os benefícios ambientais”, afirmou lembrando que as folhas que caem aportam matéria orgânica ao solo e que o sistema promove economia de água consumida pelos animais.

Pacheco detalhou as etapas e receitas para implantação de um sistema de Integração Pecuária-Floresta (IPF) – limpeza da área, combate à formiga, dessecação da linha de plantio, coveamento e adubação, escolha do material genético das árvores, tratamento das mudas, plantio das mudas, irrigação, adubação com boro, controle da braquiária ao redor das mudas, monitoramento das formigas e construção da cerca elétrica. Ele destacou a necessidade de se utilizar mudas de boa qualidade. “Produzir não é difícil. O difícil é comercializar, você tem que ter um produto de qualidade. Então, capriche na genética das mudas”, recomendou.

RECOMPOSIÇÃO DA VEGETAÇÃO

O Dia de Campo também apresentou possibilidades de recomposição da vegetação nativa do Cerrado. Os pesquisadores Lidiamar Albuquerque, Ana Maria Costa e Felipe Ribeiro, da Embrapa Cerrados, falaram sobre a integração restauração ecológica à pecuária (IREP), como cultivos podem atrair a fauna nessa restauração e a plataforma WebAmbiente.

Lidiamar explicou que é possível integrar áreas em processo de restauração com áreas produtivas, o que contribui para a sustentabilidade ambiental, econômica e social. Ela apresentou um estudo comparativo do comportamento de espécies de árvores nativas de Cerrado (pau-pombo, ipê amarelo, ipê roxo, mirindiba, copaíba, ingá e mutamba) cujas mudas foram plantadas em linha para recomposição vegetal de uma área com capim próxima a um curso d’água. Parte da área recebeu o pastejo controlado de bovinos jovens, que nela entraram quando o capim tinha 30 cm de altura e saíram quando ficou com 15 cm de altura.

As principais conclusões são de que a IREP, sob manejo adequado, tem sido benéfica por controlar gramíneas, com redução média de 30% ao ano e diminuição do risco de incêndio; não afetar significativamente a sobrevivência e o crescimento das espécies nativas; e ser uma parceira estratégica para diminuição dos custos da restauração com o uso dos serviços prestados pelo boi (pastejo da braquiária), que indiretamente facilitam o crescimento das espécies nativas, restabelecendo o retorno dos serviços ambientais. “O importante é como manejar o gado jovem. Ele tem que sair da área antes que comece a faltar forragem, senão passará a comer as outras plantas”, apontou.

Cultivos como o do maracujá e da banana podem auxiliar na restauração ecológica ao atraírem aves, mamíferos, répteis e insetos dispersores de sementes e polinizadores. “É fato: fauna ajuda a plantar Cerrado. Plantar o Cerrado não é fácil nem barato, mas se podemos contar com os serviços ambientais proporcionados pela agricultura para nos ajudar e ainda retirar dinheiro com isso, é algo realmente muito bom”, disse Ana Maria.
Nesse sentido, ela mostrou dados de uma área cultivada com banana e três espécies de maracujá (Passiflora tenuifila, P. setacea cv. BRS Pérola do Cerrado e P. cincinnata cv. BRS Sertão Forte), fronteiriça a uma área de recuperação ambiental. Antes do experimento, a área não atraía a fauna dispersora de sementes, o que dificultava a recuperação do Cerrado. As bananeiras servem para o pousio de morcegos, que atuam como polinizadores de diversas espécies vegetais da região, enquanto cada espécie de maracujá tem diferentes propriedades de atração de fauna.

Foi observado na área que P. tenuifila atrai aves e mamíferos, que se alimentam dos frutos, além de insetos (abelhas); o BRS Pérola do Cerrado atrai morcegos e abelhas e o BRS Sertão Forte atrai as mamangavas. Os próximos passos do trabalho são continuar o registro dos animais visitadores, além de avaliar o percentual de regenerantes após a instalação dos cultivos e o retorno econômico.

O pesquisador Felipe Ribeiro explicou o funcionamento da plataforma WebAmbiente. Focada na adequação ambiental da propriedade rural, ela reúne os conhecimentos sobre a flora nativa dos biomas brasileiros e informações do Código Florestal Brasileiro. A ferramenta oferece informações sobre espécies vegetais, experiências, preparo inicial da área e estratégias de plantio indicadas para que o produtor possa fazer simulações online e realizar a recuperação ambiental de áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal (ARL).

Dessa forma, o WebAmbiente, que já conta com mais de 3 mil usuários cadastrados, auxilia na elaboração dos Projetos de Recuperação Ambiental (PRA) das fazendas nos diferentes biomas brasileiros, em atendimento à legislação ambiental. “90% dos produtores têm menos de quatro módulos fiscais e estão procurando esse tipo de tecnologia. Estamos facilitando a vida deles com tecnologias apropriadas ao tamanho das propriedades”, disse Ribeiro.

HOMENAGEM

Pesquisador recém-aposentado da Embrapa, João Kluthcouski foi homenageado no evento e recebeu do chefe geral da Embrapa Cerrados o crachá “Prata da Casa” e um diploma de reconhecimento. Um dos precursores e principais incentivadores da adoção dos sistemas de ILPF, ele trabalhou na Empresa entre 1974 e 2019, desenvolvendo sistemas sustentáveis de produção como Barreirão, Santa Fé e Santa Brígida.

“Tenho uma grande saudade dessa Empresa. É uma honra termos a Embrapa. O Brasil não entra em curto circuito porque nunca vai faltar alimento nas gôndolas dos mercados”, comentou. “Graças ao João e a outros pesquisadores da Embrapa, a ILPF se tornou o que é hoje. A agricultura brasileira e a Embrapa devem muito a ele”, observou Karia.

O Dia de Campo foi realizado em parceria com o MAPA, a Associação Brasileira dos Criadores de ZEBU (ABCZ), a ACZP, da Emater-DF e da Cooperativa Agropecuária do Vale do Paracatu (Coopervap), com apoio da Belgo Bekaert Arames. (Da Embrapa Cerrados)

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